LAGARTIA #3

Capítulo 3:


”Como é que um escravo consegue comer tanto a ponto de ser gordo?”

Era essa uma das dúvidas que passavam pela mente de Aloc no tédio do deserto.

Havia fugido durante o incidente mais inexplicável da sua vida. Lá estava ele, quando de repente um guarda resolve lhe dar sua arma e de repente é “bzzt” pra tudo quanto é lado. Ele viu a oportunidade única para se livrar da vida de escravo e correra como um louco.

O engraçado era que.. O louco de verdade, Willys, ficara pra trás.


”Fazer o que?” – Dizia para si mesmo, enquanto pensava se conseguiria comer o que restava da sua camisa. Foi para a direção contrária da fortaleza lagártica e da rocha arredondada, procurando um lugar distante das forças hostis.

Agora, estava perdido, no meio do nado, enfrentando o calor de deserto e a solidão.
“Já faz tanto tempo..” – Pensava ele, lembrando de que pelo menos, quando era escravo dos lagartos, tinha comida e bebida, embora o alimento não fosse tão saboroso quanto o pano sujo da sua roupa.

Mas agora, ao menos, era um homem livre.

”Deus abençoe isso” – Disse, ironicamente, enquanto imaginava se era possível fazer um sanduíche com as unhas do próprio pé.


“YAAAAAAHOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO” – Gritou a cabeça Willys, surgindo inesperadamente por trás de uma grande duna.

A medida que ele subia e seu corpo se tornava visível, Aloc percebeu que o louco estava no topo daquilo que havia fugido: A esfera feita de rocha.

Ela era arredondada como o traseiro de uma Segunda Dama Imperial e, estranhamente, parecia flutuar alguns metros acima da areia do deserto.

“Certo, ou isso é uma miragem ou eu estou de volta à faculdade.” – Disse Aloc, logo em seguida percebendo que não usava mais calças plásticas xadrez de boca de sino, desconsiderando a segunda hipótese. 

“Ai está você!” – Disse o gordo, ainda vivo, saindo de dentro de um buraco que se abrira no topo da estrutura flutuante. – “Estávamos te procurando! Fugimos dos lagartos utilizando essa esfera rochosa, que na verdade muito se assemelha a uma espaço-nave, outrora enterrada pela metade, graças ao impacto que sofrera ao atingir esse planeta, permanecendo durante anos – talvez séculos – sob o ambiente hostil, ganhando uma casca extremamente densa de rocha e sujeira que a cobre quase que por inteiro! A principio pensei que fosse um meteorito ou algo do tipo, mas é basicamente um casulo feito para suportar viagens interplanetárias e propagar a..”

“Cara..”

“É, eu sei, ninguém perguntou..” – Disse o gordo, ficando quieto e entrando por onde havia saído.

”Sobe ai, companheiro!” – Disse alguém atrás de Willys, também sentado no teto da coisa.

”Quem é você?” – Perguntou Aloc, estranhando a figura.

”Err.. Sou eu, Humos...”

“Quem?”
“Um dos cinco escravos..”

“Mas qual deles?”

“O que tinha mullets.”

”Ah, sim. Que bom que cortou!” – Disse Aloc, aliviado, subindo na estrutura flutuante a medida que ela descia para se aproximar dele e ficar na sua altura.

“E que fim levou o fortão revolucionário?”

Todos ficaram quietos.

“O que foi?” – Repetiu ele.

E então contaram, como um pirata sideral da galáxia antiga contaria sobre a glória de um ninja que atravessa dimensões.

Calt estava rolando na areia com um dos lagartos. Já havia jogado para longe a arma laser dele com um chute, e agora tentava evitar que as garras e presas da criatura o matassem.

Era um homem musculoso, com um excelente preparo físico. Havia passado muitos anos cuidando da aparência e da saúde. Então, no dia que se formou na Universidade Stallone de Fisiculturismo(A SchwarzeNigger era lotada de preconceituosos que jamais o aceitariam), os lagartos o pegaram.

Jamais abriria a loja de quitutes que tanto sonhara, jamais caminharia pelas ruínas do Grandioso Inexplicavinittium Negasens, jamais respiraria novamente a fragrância estonteante das flores das florestas azuis de Midincia.

Mas a vida era assim mesmo.

Continuou rolando com o inimigo na areia, lutando pela sua sobrevivência e pelo seu estilo de vida. Aloc já estava longe, enquanto isso acontecia.

A alguns metros de distancia, Willys e o Gordo ficavam em cima da grande rocha, que começava a se levantar sozinha, mostrando-se uma verdadeira esfera e formando uma grande nuvem de poeira. Ao seu redor, todos os guardas estavam mortos ou desacordados.

Humos estava mais perto, com a cabeça enfiada na areia, tentando apagar o fogo que o laser havia criado no seu cabelo. Também havia um cadáver verde perto dele.

“Argh.. Lagarto maldito.. “ - Dizia Calt, enquanto continuava a rolar, cada vez mais longe dos outros. – “Todos os seus companheiros já morreram.. Você pode ser o mais forte deles, mas eu não vou deixar que capture meus amigos!!”

”Vosssshee.... Tem olhosss lindoss!” – Disse o Lagarto, subitamente.

E então os dois se beijaram.

”É, vamos embora sem ele.” – Disse Willys, lucidamente, ao perceber a cena.
E assim foram os três, que encontraram uma escotilha no topo da rocha e entraram.
Era uma pequena cabine, com 6 assentos e um pequeno computador de bordo.

A arquitetura era estranha, mas definitivamente familiar. As formas quadriculadas lembravam tecnologia humana anciã, com uma péssima escolha de cores e design. Apenas as paredes, feitas de alguma coisa clara, eram arredondadas e refletiam o exterior da nave.

“Isso aqui não tem Feng Shui nenhum!” – Comentou Humos, horrorizado, enquanto passava a mão pelo que restava do seu cabelo.

“Você quer ficar lá atrás com o Calt, é?” – Disse o gordo, irritado.

“Certo, desculpe, sorvete de banha.” – Retrucou.

Willys apertava botões aleatoriamente no painel de comando, mas nada parecia acontecer na pequena tela. O que era exatamente seu objetivo, pois adoraria passar as próximas horas brincando de apertar tudo sem que nada o atrapalhasse.

“Saia daí, deixe isso comigo. Eu entendo de computadores, vou ligar os aparelhos e logo estaremos longe daqui. É uma nave, ou pelo menos alguma coisa muito parecida. Não podemos sair do planeta devido ao buraco no casco, mas podemos ir o mais longe possível dos lagartos.”

Assim que terminou de falar, o Gordo percebeu que ninguém estava realmente ouvindo.

Detectou um padrão familiar no teclado rústico do painel, e em pouco tempo já estava familiarizado com os movimentos básicos.

“Whoa, cuidado com isso ai, garoto propaganda do doritos!” – Disse Humos, tentando fechar a escotilha e batendo a cabeça no teto com o solavanco dos motores.

Willys olhava pelo buraco na parede, calmamente. Podia ver um grande grupo de lagartos avançando no horizonte, e lembrou de que quatro mais quatro deveria ser oito, mas não tinha muita certeza disso quanto tinha de que a Internet ainda existia. Lagartos, porem, eram criaturas verdes. Pensar nisso lhe dava conforto, em meio ao caos.

“Ok, ok.. Precisamos de um piloto de verdade, eu só sei mover essa porcaria 10 metros acima do chão e ir pros lados. O equipamento anti-gravitacional a curta distancia está funcionando bem, mas eu não faço a mínima idéia de como funcionam os propulsores.. Existe também a chance de que esse módulo seja.. Ah, por que diabos eu ainda tento explicar?” – Disse o Gordo, desistindo temporariamente da idéia de se comunicar com as pessoas. Era mais fácil com as maquinas. O computador não se importava se ele era obeso ou se falava demais.
É, nada disso importava no lugar maravilhoso chamado Internet.
Ele sorriu, aliviando sua mente com esses pensamentos. Tentava achar o Sistema de Localização de Pessoas Necessárias Para o Funcionamento da Nave, que apontaria rapidamente a direção da pessoa mais apta para o trabalho de dirigir a coisa e tirá-los daquele inferno.

Era um fato que a maioria ali possuía um chip implantado em algum lugar do corpo(Geralmente do anus, mas falaremos sobre isso mais tarde) que identificaria suas habilidades e dados pessoais.

O gordo filtrou o sistema para que não encontrasse nenhum lagarto ou pardo(apenas porque não gostava deles), e ativou.

Logo apareceu na tela a foto da pessoa mais próxima dali que poderia servir para o trabalho, juntamente com alguns de seus dados pessoais:

Alocursin Q. Mey
Idade: 23 anos.
Signo: Jesus
Tipo Sanguineo: SABOROSO
Planeta Natal: Faudelox
Gosta de: Longas caminhadas na lua, animais de estimação.
Quem sou eu: 1 UMANO NOJHETNO BJS

É, irônico. O Rapaz que havia fugido e deixado todos na mão agora era o que precisavam. E a própria Internet dizia isso. Tudo bem, os dados no chip haviam sido modificados pelos lagartos, mas ainda assim.. A Internet estava ali, na nave. Ela era a nave, de certa forma. Existia, então, uma conexão.

A mais divina delas.


Já fazia muito tempo desde que Yopok(O verdadeiro nome do gordo, o qual até sua mãe substituía por algum adjetivo ofensivo) havia experimentado a Internet pela ultima vez.

Antes de ser proibida pelos lagartos, antes dele se tornar um escravo.. Eram bons tempos, tempos peludos, de pornografia e conhecimento inútil.
Mas essas eram memórias que deveriam ficar para mais tarde. O radar da nave apontava pontinhos vermelhos na tela. E aquilo só poderia significar inimigos, porque ele não havia derramado molho algum ali. Não dessa vez.

Avançou com a nave no piloto automático, seguindo a seta que levaria até Aloc.
Disse para que Humos e Willy saíssem da nave e ficassem em cima dela para avistar o rapaz, explicando que a tela estava com defeito. Não estava, mas ele preferia não tê-los na cabine, já cansado de ser lembrado a cada segundo sobre sua gordura. Que era, de fato, gordurosa.


Certo. Ainda está lendo? Oh, que gentil de sua parte.
Aonde eu estava mesmo? Ah, sim. Sim, estava dando uma de gordo. Desculpe, vou evitar isso daqui pra frente, e procurar uma maneira melhor de sair de um flashback.


Lá estavam os quatro: Aloc, Willys, Humos e o rapaz acima do peso.

Haviam acabado de informá-lo sobre o acontecido e ele ainda estava perplexo.

“VOCÊS REALMENTE NÃO TEM NENHUMA COMIDA NESSA MERDA DE NAVE?!? ESTOU AQUI NO DESERTO SEM NADA HÁS DIAS E VOCÊS NEM PENSARAM EM ME COMPRAR UM SANDUICHE?” – Gritava, com sua voz rouca ecoando pelas paredes da nave.

“O que? Mas nós também não comemos nada! Não faz nem duas horas desde que fugimos!”

“Pau no seu cu, gordo.” – Respondeu Aloc, enquanto se sentava na frente do painel da nave e percebia que, realmente, não estava com tanta fome assim. Arrependeu-se de ter comido a sua camisa, porque imaginava que sua próxima visita ao banheiro não seria nada agradável.

Enquanto isso, Willys dançava ao som de Joy Division, que estranhamente tocava de uma caixa de som perto do painel principal, e a cerca de 2363 Caudas Lagárticas, doze horas e dezenas de olhares desconfiados dali...

“Não podemosss continuar..” – Falava o lagarto, passando a mão no rosto do seu amado.

”Mas.. Freddy!! Eu te amo!!!” – Dizia Colt, em prantos.

”Eu sssei, eu também te amo, meu pequeno Pele-Rosssssada. Massss ssssse osss outross desscobrirem sobre nossso amor.. .sssseria o fim..”

Eles estavam nos aposentos de Freddy, o lagarto. Havia requisitado o humano, único restante da fuga do dia anterior, para interrogatório.

Os outros lagartos estranhavam isso tanto quanto estranhavam o fato de Freddy usar roupas rosas, porque aquilo já havia saído de moda fazia tempo. “Aquilo”, no caso, “usar roupas”.

“Acho que é um essstilo retrô. ” – Dizia Sssuasjasehesasasfsadser XI Sdashtien, um lagarto mais otimista.

Naquela noite, Freddy e seu amante fizeram um pacto de amor eterno. Brindaram a sua ultima lua juntos, e concordaram que no dia seguinte Calt seria executado para manter as aparências.

Assim que o lagarto terminou de beber o Vinho Vivinho, seu corpo caiu duro no chão.

Antes de tudo, é preciso deixar claro que o Vinho Vivinho é de uma qualidade indescritível, sendo também saudável e sem risco algum a saúde da maioria das raças pensantes da galáxia.

Fora criado séculos atrás, pelo Clã Vivinho, que havia descoberto uma maneira de produzir Vinho a partir da Água, conhecimento este que jamais compartilhariam com alguém de fora. As más línguas diziam que por trás daquilo estavam um cabeludo e uma máquina do tempo.

De qualquer maneira, o ultimo dos Vivinhos havia sido capturado pelas Forças Lagárticas anos atrás, e agora seu paradeiro era um mistério para qualquer um que não tenha lido o capitulo 1 dessa história.

Calt sorriu maliciosamente. Havia envenenado a bebida da criatura, e agora roubava sua arma e as chaves do local. Tinha pensado no plano desde o principio: Conquistaria o amor do lagarto, o trairia e fugiria dali com riquezas e informações do império de Lagartia. Não se orgulhava disso, mas durante os anos na Universidade de Fisiculturismo havia aprendido a tolerar dores anais, e agora essa habilidade havia se mostrado extremamente útil.

Saiu do quarto furtivamente, carregando a arma laser e vestindo apenas uma toalha rosa.

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