LAGARTIA: REBELIÃO #3


 Side Story - Capítulo 3


“Por entantos, motivivos não nos faltalharam-se para termos iniciado não apenas essa, como todoutras reuniões. A ameaça lagártica é como um cravo que continualója-se no mais belo dos narizes. E nós, meus pupilúditos, somos o creme facial mais caro e afrescalhado do universo.”

Uma salva de palmas e gritinhos histéricos seguiu-se.

“Obrigaduplo, novamente. Não seria suficiente, jamais será. Mas sinto a emoção; Sei que o desejo é verdadeiro, que a rebelião terá sucesso. Sem medo, meus pladmintos, sem medo. Sei que tudo acabará bem, pois ouvi numa música, cantada do futuro, por mim mesmo.”
 

Fiquem agora com a conspiração, os planos e a estratégia.”

- Disse, por fim, e então se retirou do estande, rumo a sua cadeira roxa e cheia de penas, que era carregada por um pequeno e rústico robô.

Um campo de força ergueu-se ao seu redor assim que sentou, evitando contato com os fãs obcecados. Na verdade, evitava qualquer coisa que fosse emitida no mundo exterior. Estava lá apenas Desculpos, sua cadeira e seu robô, cercados por uma esfera esverdeada.

“Como eu fui, Otragal?”

“Foi bem, meu mestre. Foi fantástico.”

“Será que eu não exagerei? No começo da ultima estrofe, penso ter usado mais que dois  palavrérbios. Exagerei, não é?” – Perguntava Desculpos, com certa insegurança jamais demonstrada em frente às pessoas de verdade.

“Não, meu mestre. Não se preocupe. Você fez exatamente na medida certa. Até mesmo os que não entenderam as palavras da sua Língua Particular, gostaram da entonação, e amaram a performance. Você é amado por todos e é tido como um dos seres mais legais do universo. Ninguém te acha chato. Quem dera eu fosse de carne, para copularmos. Quem dera.” – Respondera o robô, sem emoção alguma em sua voz robótica.

Desculpos respirou aliviado.

Tudo ia bem. Em breve, seu Desculponário seria o texto mais vendido da galáxia.



Logo após Desculpos ter se retirado, uma moça de cabelos tentaculares, que moviam-se aleatoriamente pela sua cabeça, subiu no palanque. Comofas reconheceu-a. Era a mais bonita dali, ao menos para seus padrões humanóides. Fosse ele proveniente de Delpovilho, como o ser que se passava por Avestruz, consideraria o campo de força esverdeado ao redor de Desculpos a coisa mais atrativa do recinto, e assim que ninguém estivesse olhando, iniciaria um falso relacionamento com a esfera energética, quem sabe instigado por um encontro aparentemente casual, regado a mentiras e falsas promessas, e após algumas saídas, acabaria estuprando e matando-a, logo em seguida escrevendo um roteiro sobre aquilo e vendendo os direitos para os novelistas lagárticos, mas com a exigência de que fosse dirigido por algum dos diretores mais influentes do mercado.

“Assim que ninguém estiver olhando..” – Pensava o Avestruz.


“Olá, amigos rebeldes. Espero que tenham gostado do desempenho de Desculpos Viguardians Delgado, e estejam preparados para o que virá. Meu nome é Telefone, para os que não sabem, e estarei ajudando na parte confabulatória da reunião de hoje, que se tornará a mais importante de todas as que já tivemos.”

Comofas observava, encolhido em sua cadeira flutuante. A mulher era realmente bonita, mesmo por trás de toda aquela insanidade que usava no rosto e no corpo.

Tudo bem, ele já tinha se conformado com o fato das pessoas serem obrigadas a usar alguma coisa para cobrir suas partes intimas fazia muito tempo, mas mesmo assim não gostava da idéia de ver tantos objetos assim pendurados em um só ser pensante.

Além da forte maquiagem e dos guizos que pendiam dos seus cabelo-tentáculos, Telefone possuía oito esferas que flutuavam ao redor do seu corpo, sem motivo aparente, e brilhavam das mais diversas cores. Usava naquele dia uma jaqueta de couro de lagarto, um material extremamente raro, morte certa para qualquer um que usasse isso em plena luz do dia, e segundo os sábios, “a melhor coisa para alguém usar enquanto estiver montado numa motodimenscicleta, quando por “alguém” compreende-se um ser que deseja o perigo absoluto e a certeza da morte eminente.” E mais uma centena de acessórios e bottons inúteis e coloridos.

Telefone tirou do bolso da sua jaqueta uma embalagem de plástico retangular, com o símbolo de uma nuvem em forma de cérebro, com relâmpagos aparecendo e desaparecendo freneticamente abaixo de si. Poderia até ouvirem-se trovões, caso o objeto não estivesse no modo silencioso.

“Esse, companheiros, é o Consciêncigarro. Talvez alguns de vocês não conheçam esta, que é uma das maiores relíquias dos tempos antigos. O objeto não é mais produzido, e os meios que foram utilizados para que a rebelião pudesse adquirir esse, que talvez seja o ultimo pacote do produto em todo o universo, são mais do que repugnantes.” – Assim que ela disse isso, um homem gordo e peludo, sentado no que parecia ser um grande caixote de madeira, deu um sorrisinho encabulado, arrotando logo em seguida.
Telefone respirou fundo e continuou.

“O Consciêncigarro é a forma máxima de confabulação entre seres pensantes. As idéias, desde que surgira a necessidade de comunicação entrem membros da mesma espécie, jamais puderam ser explicadas com tanta clareza.

Normalmente, teríamos que passar por um longo e árduo processo de produção, fosse verbal, textual ou até mesmo neural. No momento em que o que visualizamos em nossa mente algo que faça sentido e que deve ser explicado para os outros para que aconteça, tendo em vista a necessidade de um trabalho conjunto, precisamos expor isso. Mas entre a mente e o meio de comunicação, muito se perde. É impossível descrever em palavras ou imagens exatamente o que um ser pensa, porque certas coisas são simplesmente indescritíveis. 

Ainda que o outro alguém considere entender o que lhe fora exposto, é extremamente raro que isso aconteça de verdade. A idéia se perde em meio ao longo e cansativo processo.”

Caso um certo gordo estivesse ouvindo tal explicação, estaria entretido como nunca, fosse pelo decote da moça ou pelo que era dito. Provavelmente por ambos.

Mas ele não estava, porque o destino não era tão bom assim com ele.

“E é aí que entra esse maço de cigarros. São 20 consciêncigarros, que deverão ser compartilhados por todos nós. Não mais que uma tragada por pessoa. A fumaça será inalada e, ao circular por dentro do nosso organismo, captará nossos padrões cerebrais, e levará consigo parte de nossa consciência. Quando for expelida, a fumaça será uma extensão da mente do próprio ser, e terá seus pensamentos duplicados a partir dela. E conforme todos forem fumando, as fumaças se juntarão em uma só nuvem, que ficará cada vez mais densa, enchendo-se de eletromagnetismo proveniente dos pulsos de corrente elétrica cerebral, até formar uma verdadeira tempestade mental, com as consciências mutuas confabulando diretamente entre si.”

“Eu não entendi.” – Disse um homem careca, com cavanhaque e três peixes dentro de um aquário cirurgicamente acoplado em suas costas. Ele estava sentado em uma gigantesca chave de fenda amarelada.

“Basicamente, nossas mentes vão se unir, e lá todos serão capazes de entender qualquer coisa que um de nós entenda. É para ensinar a todos, de forma rápida e prática, qual o principal plano de ação. E também formular novos planos, a partir das idéias que ali forem lançadas. Vamos aperfeiçoar tudo o que já planejamos, com dezenas de mentes trabalhando como uma só, oferecendo sua individualidade para a criação de uma confabulação mental.”

“Ah tá.” – Respondeu o homem, e voltou a limpar as unhas.

“Mais alguma dúvida?” – Perguntou Telefone.

Todos pareciam satisfeitos com aquilo. A maioria não tinha entendido nada do que havia sido dito, mas recusava-se a deixar qualquer outro dali saber disso. Apenas permaneciam quietos, sem demonstrar surpresa alguma, com um ar levemente desinteressado, como se estivesse sendo-lhes dito algo que de fato já sabiam, ou que para eles não parecia ser nada demais.

Comofas havia entendido tudo, mas ainda tinha dúvidas.

“Er.. Com licença.. Eu tenho uma dúvida.” – Disse ele, levantando a mão.
Todos do lugar olharam em sua direção.

“Pode falar.” – Disse Telefone, também o olhando, com as esferas flutuantes ao seu redor parecendo fazer o mesmo.

“Então.. Eu entendi. O consciêncigarro vai unir as mentes. Vamos pensar em conjunto. Um quase-semi-deus vai viajar no tempo mentalmente. Vai ser, de fato, algo interessante e provavelmente vai sair um monte de boas idéias disso. Mas.. As mentes vão ficar unidas por quanto tempo? Porque, bem, nada contra vocês, mas eu não quero viver o resto da vida me preocupando com filmes antigos e roupas que tem mais personalidade do que quem as usa.. Sem ofensa, pessoal.” – Disse ele.

Muitos olhares feios foram direcionados em sua direção, mas Telefone parecia calma, e explicou:

“Não se preocupe. É passageiro. A fumaça se dissipará em cerca de 30 minutos. Enquanto isso, todos estarão dormentes, sem muita concentração, com o esforço cerebral sendo direcionado pela fumaça.”
 

E então ela entregou os cigarros para as pessoas, que estavam instruídas a dar uma tragada e passar para o próximo.
 

Ela mesma acendeu o primeiro, com uma breve rajada de fogo que saiu de uma de suas bolas.

A chama no cigarro, que normalmente seria avermelhada, tinha um tom azulado incomum. E a fumaça também. Ela tragou com maestria, e entregou o cigarro para o homem de chapéu –estátua a sua direita.

Comofas observava todos fazendo o mesmo. Sua vez não tardaria a chegar. Ele estava um tanto apreensivo. Não sabia se aquilo era uma droga ou não, mas com certeza queria que não fosse. Prezava excessivamente sua capacidade intelectual, e odiaria ter ela comprometida, mesmo que por alguns minutos.
 

Sobriedade era o único meio de continuar inteligente. Da ultima vez que tentara algo do tipo, fora por culpa do seu irmão, na adolescência, e havia acordado no dia seguinte com trinta e duas doenças sexualmente transmissíveis, uma tatuagem no braço direito que dizia “Se você ler isso, esteve chapado recentemente. Por favor, não culpe seu irmão. Ele é um cara legal.” e um grande “MATEMÁTICA = MERDA” escrito no lugar de suas quatro mil e quinhentas páginas de teoria aplicada digitadas no computador, que certamente teriam lhe concedido uma bolsa na Faculdade da Galere.

Comofas jamais soube, mas durante o período em que ele e o irmão estavam chapados, usando o computador como forma de celebrar a vida, enviara a breve equação sobre o que ambos, naquele momento, pensavam dos estudos envolvendo equações, para a Faculdade da Galere. A mesma, conhecida por sua aleatoriedade e falta de sentido, havia achado aquilo engraçado o suficiente para garantir não só uma bolsa, mas um período de testes como Professor de Piadinhas Equacionarias , para ele.

Infelizmente, o Diretor Fidélio X. fora um tanto rude com sua secretária a respeito de uma xícara de café contendo menos fezes do que ele havia requisitado, e isso gerara uma série de processos jurídicos que acabara com a Faculdade da Galere, até que os Lagartos resolvessem recriá-la sob o nome de Faculdade Lagártica de Maltratos Galéricos, mas aí o lugar já havia perdido todo o seu apelo.

__

E então o cigarro, quase pela metade, chegou em Comofas. Ele olhou para todos, que seguravam por algum tempo a fumaça e então soltavam. A gigantesca nuvem atraia para si todas as fumaças, que uniam-se e começavam a cobrir o teto inteiro do lugar, com os raios já circulando por ela.

Ele colocou na boca e puxou. Sentiu um gosto de pilha estranho, como naquela vez em que havia tido relação com a Borg, mas não tão desconfortável. Sentiu um pequeno choque no pulmão assim que inalou a fumaça, e começou a tossir sem parar.

Achou que esse seria mais um dos momentos em que todos olhariam para ele, mas a maioria das pessoas olhava para o nada, sonolentas, sem prestar atenção aos seus arredores. Aliviou-se com aquilo e, sentindo que havia feito errado, deu mais uma tragada, dessa vez já sabendo do pequeno choque que sentiria.

Mas dessa vez, o choque não veio. Enquanto tragava a fumaça, sentiu sua mente mais leve. Sentiu que tudo era mais leve. De repente, seu corpo não era assim tão importante.

“Caralho, eu tou flutuando.” – Pensou ele.

Ele não via nada, mas podia sentir as coisas acontecendo. Sentiu seu corpo – ou o que naquele momento era seu corpo – flutuando e subindo, sendo atraído pelo eletromagnetismo da gigantesca tempestade menta no topo da sala.

“Caralho, eu tou flutuando!!” – Pensou novamente.

“Espera. Isso é papo de chapado. Não, sem esse tipo de idiotice. Eu estou flutuando, porque minha consciência está na fumaça. Meu corpo está lá embaixo. Em breve, vou me encontrar com todos os outros, e as vozes se unirão em uma só.”

“.. Mas espera aí. Eu quero realmente isso? Não gosto desse pessoal. Eles não gostam de mim. Porque eu tenho que me unir com eles? A minha mente é minha. Não quero eles invadindo meus pensamentos. Melhor fugir daqui.”

“Tarde demais pra isso, garanhão.” – Disse outra fumaça, que subia também em direção ao conglomerado, e encontrou a dele no caminho.


“Ah não..”

E então todas as mentes se fundiram em uma só.


“Hamster é solução.”
“Macro-looping.”
“Internet.”
“Energia infinita.”
“Viagem no tempo.”
“Caldeirão de sucrilhos.”
“Não monta qualquer um.”
“Honra máxima.”
“Nomes ecoam em todos os sentidos do tempo.”
“Big Bang é um ovo.”
“A gema é a criação, a clara é o passado e o futuro.”
“Internet.”
“Geladeira.”
“Vamos ter ela de volta.”
“A geladeira?”
“Não, não.”
“Onde estão os drows?”
“Não espere nada demais disso.”
“Eu queria um salgadinho.”
“Eles estão vindo.”
“Nunca fez sentido.”
“Eles não deixam mais.”
“Internet.”
“RPG.”

A quantidade de pensamentos ocorrendo em um mesmo espaço era inconcebível. Uma capacidade mental coletiva como aquela, se unida de uma fonte infinita de força de vontade, poderia alterar a própria realidade. Mas como não era o caso, apenas as idéias se encontravam. Para todos os envolvidos, a situação fazia sentido. Para qualquer outro que não estivesse ali, seria pura loucura.

Trevazryder entrou na sala um tanto perdido. Havia se atrasado para o encontro e tinha tido certa dificuldade em lidar com a porta, que insistira em ouvir uma senha da qual ele não fazia idéia. Depois de muito sufoco, finalmente conseguira chegar à reunião. Mas assim que entrara, vira todos com cara de retardados, olhando para o nada, sem falar nada. E uma fumaça muito peculiar explodindo em relâmpagos acima.

Ele aproximou-se, perguntando para todos:

“Qual o assunto em pauta?”

Mas ninguém notara sua presença. Ele então subira no palanque, para tentar chamar a atenção das pessoas, e foi então que sua mente entrou em contato com um dos raios emitidos pela nuvem.

Sua cabeça fritou ao ponto de ficar escura, mas o que verdadeiro impacto estava em sua mente. Havia, por um breve momento, tocado as muitas consciências sem o devido preparo.
 

Não mais conseguia formular um pensamento. Apenas perambulou pela sala até encontrar um banheiro, trancar-se lá dentro e começar a tremer, sentado no vaso, a cabeça ainda soltando fumaça, os cabelos em pé e as idéias pulsando loucamente.

Ficaria lá por um bom tempo.

Após cerca de vinte e cinco minutos, as pessoas começaram a retornar ao seu estado normal, e a fumaça foi dissipando-se. Pouco a pouco, eles iam espreguiçando-se, com um ar de extrema satisfação e recente epifania. Era como se tivessem feito sexo pela primeira vez. Ou melhor, voltado no tempo e feito sexo pela primeira vez novamente, dessa vez sem a maioria dos traumas ligados ao evento.

Trinta minutos, e todos já haviam retornado, menos Comofas.

Ele continuava sentindo-se uma fumaça, e flutuava sem destino acima das cabeças.

“Pra onde foi todo mundo? Por que só eu estou pensando? ”

Lá embaixo, na sua boca, ainda estava o Consciêncigarro, totalmente transformado em cinza. Estivera ali desde o começo, e ele havia tragado mais do que seria humanamente recomendado. Agora, estava fadado a ser uma fumaça.
 

Não tinha olhos para ver, mas sabia que naquele momento, estava babando, com o olhar vazio, bituca de um cigarro que já acabara ainda na sua boca, e todos olhavam para ele, provavelmente rindo.

“Típico.” – Pensou Comofas, a fumaça esverdeada.


De sua sala de espionagem, os Lagartos observavam tudo, mesmo sem entender praticamente nada.

“Esssses humanoss... Ssssempre sssse drogando.”

“Poisss é, companheiro. Não consssseguem lidar com a realidade, sssempre precisssam de algum tipo de fuga. Uma raça fraca.”

“Verdade. Opa, ta quasssse na hora da novela. Vamosss mudar de canal?”

“Sssim. Massss esssspera eu pegar a cerveja.”

“Aye Ssssir.”

“E a cocaína também.”

“Oh yeah.”


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