LAGARTIA: REBELIÃO #4

Anteriormente, em Lagartia – Rebelião..

Comofas, habitante do planeta Mathemattykka, onde humanos tem certa libertada e realizam as funções das quais os lagartos não gostam, como cálculos, finanças e relacionamentos, vai a um encontro da Rebelião, formada pela auto-aclamada elite intelectual do planeta.

Lá, um plano para a derrota do Império Lagartico é anunciado. Para explicá-lo, todos os participantes dividem o Consciêncigarro, expandindo suas consciências para a forma de uma fumaça que se funde numa nuvem de pensamentos, uma brainstorm no sentido literal do termo.

Infelizmente, Comofas, não acostumado com alteradores de comportamento, acaba tragando demais, e sua mente fica presa no formato gasoso.


 Side Story: Capítulo 4 




“Céus, estou de volta no ensino médio.” – Pensava  Comofas, a fumaça densa e esverdeada, enquanto todos na sala de reuniões da rebelião apontavam e riam dele.

“Pela Edição de Colecionador de Pontesfera Kleptuzânica, ele teve uma overdose!” – Gritou Telefone, aproximando-se do corpo inerte de Comofas.

“Ah, agora ela resolve me dar atenção. Típico.” – Pensou novamente Comofas.

“Esse cara sempre foi estranho.” – Comentou  Yerteldur Nubbubub, o humano de quatro braços geneticamente alterado,  oito olhos e nenhuma educação.

“Precisamos de um médico!” – Disse Telefone, seus fios de cabelo tentaculosos abrindo as pálpebras de Comofas e checavam sua respiração.

“Claro, aposto que vários de vocês são formados em medicina. Com certeza.” – Pensou ironicamente Comofas. Notou que estava pensando bastante, mas diabos, era a única coisa que podia fazer enquanto estava naquele estado.

“Eu sei o que fazer.” – Disse uma mulher mais velha, levantando-se de seu assento. Ela usava um biquíni preto e possuía ao menos 300kg, pelos cálculos de Comofas, que sempre fora bom com números e podia sentir as vibrações no ar devido aos movimentos dela. – “Apenas deixe-me sugar a fumaça para dentro de meus pulmões e reintroduzi-la no organismo desse rapaz. Já fiz isso uma vez quando meu primo Lamenturd deixou seu bom senso escapar durante uma disenteria provocada por bolinhos de allfafalcaltrue.”

“Mas como você espera reintroduzir a fumaça em mim, gordona? Mastigando ela e vomitando em mim? Porque tudo o que você deve saber fazer é comer.” – Pensou Comofas. Obviamente, ninguém estava ouvindo-o, tirando o quase-semi-deus, o ser que se passava por avestruz e um ou outro telepata do recinto, que deram risadinhas abafadas.

E foi então que compreendeu. A gorda iria beijá-lo. Seu primeiro beijo em muito tempo, e seria uma gorda monstruosa. Ela iria, com seus enormes pulmões, sugar toda a fumaça esverdeava que ele era, tragá-lo e então, num beijo do qual ele sentia que ela queria dar por motivos maiores do que simples altruísmo, reintroduzir sua consciência ao seu corpo.

“Merda.” – Pensou ele. Os mesmos telepatas de sempre riram ainda mais. Um deles até mesmo pegou algumas pipocas para assistir ao espetáculo.

“Não. Eu devo fazer isso. Foi culpa minha.” – Disse Telefone, mordendo os lábios, e aproximando a boca da fumaça da nuvem de fumaça que era Comofas.


Enquanto isso, há poucos metros de distancia, estava sentado Yurlen Maldrobster, em um assento flutuante comum. Era ele o responsável pelo plano de ataque aos lagartos que fora introduzido naquela reunião, via Consciêncigarro. Bem, ele e uma comitiva inteira de cientistas induzidos por alucinógenos, do qual fora o ultimo sobrevivente.

Era o ultimo grupo de cientistas ligados a rebelião, e sentiam que deveriam fazer alguma coisa maluca antes que os lagartos os descobrissem ou o tédio aumentasse ainda mais. O que os matasse primeiro.

Então, Telefone, Desculpos e os outros lideres da Rebelião conseguiram para os cientistas uma tremenda quantidade de drogas, com a desculpa de que eventualmente uma idéia genial surgiria para dar fim aos lagartos.

As vezes Yurlen se perguntava se a Rebelião não era simplesmente uma desculpa para usarem drogas sem questionamento moral, já que em todas as reuniões, alguma coisa maluca acabava sendo usada por alguém, com alguma desculpa de “iluminação coletiva”, “expansão da criatividade” e “imunidade contra paratelepatia lagártica.”.

Ele próprio fora entusiasta em algumas das situações, mas o dia seguinte nunca lhe era agradável, e ele em algum lugar dentro de si mantinha sim uma esperança, mesmo que pequena, de conseguir salvar o que restava da humanidade, mesmo que ela não fosse lá muito digna de ser salva. Era a única humanidade que tinham.

“Céus, preciso anotar isso.” – Pensou Yurlen, alguns dias antes, enquanto se barbeava e pensava a respeito dessas coisas, em seu pequeno apartamento humanóide em Matthematykka. Era uma habitação padrão, projetada por lagartos, tendo tudo o que, na visão deles, um humano precisaria para viver de forma decente, a ponto de não atrapalhar sua performance no trabalho:

Uma cama.
Um banheiro.
Uma cozinha.

E um enorme robô em formato de lagarto de 2 metros de altura segurando um porrete.


Mas Yurlen não se deixava levar pelos problemas da vida. Sendo ele próprio um dos últimos homens a se formarem em Tecnocracia na Faculdade da Galere, reprogramou o robô do seu apartamento para, apesar de ainda espioná-lo para os Lagartos, ser o tipo de pessoa com quem você gostaria de passar algum tempo. O companheiro perfeito.

“Viu-o-jogo-ontem-Yurly?” – Perguntou o robô, com sua voz robótica.

“Não, não cheguei a ver, Ted.” – Respondeu Yurlen, desligando o laser que havia acabado de cortar sua barba.

“Devia-ter-visto. Os-Metro-Politos-venceram-os-Dragões-de-Manteiga-por-sete-a-quatro. Bom-jogo.”

“Eu já sei, Ted. Não sou lá grande fã de esportes, típico clichê cientista que sou, mas esses jogos estão sendo reprisados desde que os Lagartos baniram esportes humanos uns bons anos atrás.

“É-eu-imaginei. Mas-você-não-instalou-minha-memória-extra-e-ando-tendo-problemas-com-coisas-que-já-aconteceram.”

“Bom, eu sinto muito, mas semana que vem tem uma visita marcada com um inspetor lagarto no meu apartamento, e eu não quero que ele desconfie de nada. Já vai ser difícil esconder a sua programação.”

“Certo. Quer-o-que-de-janta-quando-voltar-do-trabalho?”

“Aceitaria pizza. Mas você não vai lembrar, não é mesmo?”

“Lembrar-do-que?”

“Exato. Até mais.”

E Yurlen saiu de seu apartamento, rumo ao seu ultimo dia de trabalho.


“VOCÊ CHEGOU TARDE, HAKUSHO!! JÁ USAMOS TUDO!!” – Gritou Pigodes, o chefe, chamando-o por um nome que não era seu, quando Yurlen entrou no laboratório.

Era um homem velho, vestindo um jaleco branco e estranhamente nu por baixo dele, pulando e se exaltando de uma forma que Yurlen jamais havia visto.

“HAHAHAHA!! ALGUEM FALE.. ALGUEM FALE PRA ELE... COMO É!! NÃO, EU VOU DESENHAR!!” – Disse a Sra. Jharloe, uma viúva extremamente amável, avó de dois netos, que fora professora de Yurlen na Faculdade da Galere e agora trabalhava com ele no Centro de Pesquisas Estúpidas dos Humanos. Ela então começou a arranhar a superfície de um monitor com as unhas, tentando expressar algo que só ela entendia.

“Vocês.. estão bem?” – perguntou Yurlen. Sabia que não estariam. Sabia que aquele era o dia marcado para o uso dos entorpecentes. Sabia o quão frustrados estavam seus colegas de trabalho, fazendo o serviço sujo dos lagartos, sendo obrigados a programar e criar armas para eles. Mas não imaginou, sequer por um momento, que fosse algum dia vê-los assim.

E ninguém conseguiu responder de maneira adequada a sua pergunta.

“Claro que sim! EU NÃO TENHO MAIS PÉS!!” – Retrucava Pigodes, apoiando-se com ambas as mãos em cima de uma mesa, derrubando ferramentas e utensílios de laboratório sem nenhuma consideração.

“NA VERDADE JÁ ESTIVE MUITO PIOR!” – Gritou Erdo Drinkred, outrora faxineiro, transformara-se em cientista junior quando os lagartos aboliram sua antiga profissão. Ele estava tentando entrar num microscópio.

Jigud Blindurde, o mais antipático de sua equipe, apenas disse, com o olhar focado no nada:

“Isso nunca vai funcionar.”

E Yurlen parou, por alguns momentos, na entrada do laboratório onde trabalhara nos últimos cinco anos, admirando a cena.

Meia dúzia de cientistas, as mentes mais brilhantes(e conformistas) da ciência humana, dançando para o barulho de refrigeradores, pulando ao redor de maquinas destruídas que eles próprios haviam construído, recitando poesias incompreensíveis, com sorrisos em seus rostos que há muito ele não via, seguidos logo de lágrimas e gritos de pavor, aos quais ele já estava acostumado, mas nunca testemunhara em tanta exaltação.

E foi nesses rostos que ele viu a oportunidade.

“Vou ficar sóbrio, gravar essa merda toda e zoar com eles pro resto da vida.” – Pensou.

“Isso nunca vai funcionar.” – Repetiu Blindurde.


Doze horas depois, nada havia saído como planejado.

Dos seis cientistas da equipe, apenas Yurlen e mais dois haviam sobrevivido.

A Sra. Jharloe fora a primeira a sucumbir, seu corpo velho e cansado não resistindo a interminável seqüência de passos de dança que insistira em realizar, segundo ela própria uma continuação que acabara de imaginar para o seu filme favorito, no qual um negro sapateava infinitamente, sem musica alguma.

Pigodes, até então um dos mais alucinados, já havia arrancado as próprias orelhas, e vendo o corpo de sua colega caído no chão, resolvera, num momento subido de clareza, não ter o mesmo fim que ela.

“Não vou deixar essas drogas me matarem.” – Disse, e então pulou pela janela.

O laboratório ficava no vigésimo sexto andar do prédio, e ele foi atropelado por um carro voador antes de atingir o chão, estragando o dia de algum pobre motorista humano, que provavelmente levava algum lagarto até algum lugar importante.

Yurlen ficou aterrorizado, e tentou acalmar os outros. Mas ninguém lhe dava ouvidos, a não ser Jonas Drinkred, que de fato havia pego as orelhas de Pigodes e lhe entregue, dizendo que aquelas eram suas maiores riquezas e que Yurlen deveria guardá-las até que ele voltasse do Reino das Abóboras, onde iria lutar contra o Escovão Prateado, na Terceira Guerra da Limpeza.

Meia hora depois, simplesmente caiu duro no chão.

““Isso nunca vai funcionar.” – Repetia Blindurde, infinitamente.

“Não. Caralho, não. Todos vocês estão morrendo, porra! Seus idiotas! Vocês deveriam ser inteligentes, cientistas, não um bando de hippies tendo overdose! E se você continuar repetindo isso de novo, eu é que vou ficar maluco!”

Yurlen chorava, gritava e tentava acalmar os outros três cientistas sobreviventes, mas não conseguia. 

Desesperado, havia tentado amarrá-los, mas havia sofrido agressões, e descobrira de uma maneira terrivelmente constrangedora que era o mais fraco dali.

Derel Marxil, com quem Yurlen mais se identificava dentre a equipe, já que ambos colecionavam figuras animadas de super-heróis antigos e trocavam holovideos proibidos em segredo, simplesmente se jogava contra uma parede da sala, cada vez com mais força, sem se importar com os ferimentos. Quando questionado pela vigésima sexta vez, olhou para Yurlen com um sorriso no rosto e lhe disse:

“Estou quebrando a quarta parede.”

Logo após, bateu a cabeça com força demais e morreu.

Aquilo era demais. Yurlen não sabia o que fazer. Queria pedir ajuda, mas quem chamaria? Os lagartos? A rebelião? Sequer sabia como entrar em contato com Ergos, Desculpos ou Telefone. Todas as reuniões que participara foram informadas por algum contato secreto, que aparecia quando queria.

Quando pensou em abrir a porta e fugir dali, percebeu que estava trancado do lado de dentro. Notou um bilhete colado a porta que dizia:

“Nova brincadeira: Depois que o ultimo chegar, a porta será trancada automaticamente, e apenas quem conseguir responder as minhas charadas poderá sair. Quero só ver a cara de Yurlen quando ele descobrir! Atenciosamente, Pigodes.

Obs: Caso eu fique insano demais, a senha estará em um bilhete no bolso do meu jaleco.”

Jaleco esse que havia, junto com seu dono, pulado a janela e se espatifado bem longe dali.

Yurlen considerou, por um momento, tentar escapar pela janela, talvez pegando carona com algum motorista humano em um carro voador. Diabos, poderia pegar alguns daqueles equipamentos caros do laboratório, fazer amizade com o motorista e ficar rico.

““Isso nunca vai funcionar.” – Blindurde disse.

“O que foi, porra? Você lê mentes agora?” – Gritou Yurlen, irritado, na direção de Blindurde. Não houve reação.

Uma risada ecoou pelo laboratório, vinda de Harguini, o mais gordo dentre os cientistas, e consequemente, o mais inteligente e socialmente inapto, sentado num canto. Havia estudado com Yurlen no curso de Tecnocracia, embora ambos nunca tenham sido grandes amigos, principalmente devido a diferença de peso, um dos grandes dogmas daquele século.

Estava coberto por aparelhos eletrônicos, circuitos, fios, e tudo mais que pudesse ter encontrado ali. Alguns pedaços de eletrônico pareciam entrar na sua carne, como se o próprio tivesse os perfurado dentro de si, e havia uma poça de sangue cada vez maior escorrendo pelo chão.

“Eu sou um ciborgue!” – Disse ele, com plena convicção e certeza.

“Não, seu gordo estúpido! Você não é um ciborgue porra nenhuma. É só um idiota que se drogou demais.” – Retrucou Yurlen.

“Prove.” – Disse Harguini.

E Yurlen, irritado e frustrado, foi até sua direção, catou a maioria dos eletrônicos e os jogou contra a parede.

“Satisfeito?”

“Oh.” – Disse Harguini, um tanto assustado. “Isso foi maldade.Meu sistema de reparos vai demorar um bom tempo pra consertar isso.” 

“Você não tem um sistema de reparos! É só um idiota alucinado coberto por pedaços quebrados de equipamento!!”

“É mesmo?”

“SIM!!!”

“Então como é que eu consegui gravar esse disquete?”

“Disquete?”

Yurlen sabia o que era um disquete. Havia lido a respeito deles quando na faculdade, na aula de História de Seus Futuros Lideres, que era administrada por um robô programado com um ego gigantesco, e que acreditava com todas as suas forças que a Era das Maquinas não tardaria a chegar, portanto deveria ensinar a história de seu povo superior aos humanos para que eles melhor compreendesse a magnitude e o poderio dos eletrônicos, desde sua humilde origem até o glorioso futuro que teriam. Sir Lorde Pósitron 6000 ZX, como gostava de ser chamado, não resistiu ao ver a galáxia sendo dominada por Lagartos, e cometera suicídio ligando sua inteligência artificial a várias redes sociais e clicando em todos os links com fotos de festas que lhe eram enviados.

De qualquer forma, nas aulas de SLP 600 ZX, Yurlen aprendera sobre Disquetes, Cds, Dvds e todas as tecnologias de armazenamento de dados de eras antigas, mas jamais pensou que veria um desses pessoalmente fora de um museu.

Mas lá estava: Uma forma quadriculada, negra, com uma pequena parte de aparência metálica no seu topo.

“Exato. Eu gravei ele. Sou um ciborgue, seu idiota.”

E Yurlen ficou sem palavras. Claramente, Harguini não era um ciborgue. Era um cientista, fora de si, drogado e gordo, mas não um ciborgue. Ele próprio havia visto ciborgues pessoalmente, e sabia que aquilo não era um. 

Então, de onde diabos vinha o disquete?

“O que tem aí dentro?” – Perguntou ele, depois de algum tempo.

“Ora, você esqueceu, Yurlen? Nós somos cientistas com a missão de planejar uma investida contra o Império Lagártico. Nossa função era conseguir uma forma de energia rápida e ilimitada, para abastecer a Rebelião e produzir armas de destruição em massa. E foi por isso que alteramos nosso estado mental, coisa que você também parece ter feito, mesmo chegando atrasado, pelo jeito com que está fazendo perguntas idiotas. Foi isso que fizemos. Nossas mentes alteradas, reunidas, formularam a solução para esse problema. Você devia ter visto. É genial.

Mas não se preocupe. Está tudo aqui, nesse disquete.”

““Isso nunca vai funcionar.” – Blindurde disse novamente, ao fundo, sem ninguém para lhe dar atenção.

“Em menos de dois mbs?”

“Ei, não julgue a varinha pelo tamanho, mas sim pela magia que ela faz.”

“Não podiam ter usado alguma outra forma de armazenamento?”

“Claro que não! Eu não confio nas maquinas! Elas vão dominar o mundo! Você não lembra daquele nosso professor?”

“Mas você é um ciborgue!!!”

“Ah, agora você admite?” 



Yurlen soltou um enorme grito de raiva, arrancou o disquete das mãos de Harguini e foi até os computadores restantes, a procura de alguma entrada para enfiá-lo. Após algum tempo, percebeu que nada ali possuía uma entrada para aquele objeto ancestral.

“Onde é que eu coloco isso?”

“Isso o que, humano?”

“O disquete!! O disquete que você gravou!!”

“Que disquete?”

“Porra!! O Disquete com a idéia genial que vocês tiveram!!”

“Ah, esse disquete. Não tem nenhum computador com entrada pra ele aqui. O que você acha que somos, personagens de um filme ruim do século 20?”

“COMO DIABOS VOCÊ GRAVOU ELE ENTÃO??”

“Eu já disse. Sou um ciborgue.”

E então Yurlen teve a primeira idéia realmente boa desde que pisara naquele laboratório: iria construir ele mesmo algum equipamento capaz de ler aquele disquete. Não tinha grandes esperanças a respeito do conteúdo dele, mas havia algum motivo para sua existência e, afinal, não tinha o que fazer. Estava trancado ali dentro.

Começou catando pedaços de equipamento pelo chão, arrancando até mesmo alguns do corpo de Harguini, que insistia para que não o fizesse, já que estava despedaçando seu magnífico corpo eletrônico, embora com cada vez menos convicção, devido a perda de sangue. Yurlen, apesar da irritação, tentara de alguma maneira evitar o sangramento, mas Harguini negara veemente. Dissera que aquilo não era necessário, e que o sangue que escorria nada mais era do que a sua parte humana sendo rejeitada pelo maquinário em seu corpo, e que em breve seria purgado daquela prisão de carne, tornando-se 100% eletrônico.
Yurlen gritou um grande “FODA-SE” e voltou a trabalhar no adaptador para o disquete.

Cansado das intermináveis afirmações de Blindurde, que insistiam em alertá-lo que, independente do que estivesse tentando fazer, nunca funcionaria, Yurlen ligou a única aparelhagem reprodutora de som que não fora destruída ainda, um modulador de som que capturava freqüências lagárticas, geralmente ondas de rádio que eles usavam para se informar da movimentação do Império, mas as vezes capturando até mesmo as estações de musica deles. Escolhera uma musica qualquer e colocara no máximo, para abafar Blindurde.

Era um Rock Lagarto.

“VOCÊSSSS HUMANOSSSS NUNCA VÃO NOSSS VENCER
PODEM TENTAR, MAS SSSSÓ VÃO MORRER
NADA CONSEGUEM PERANTE NOSSSSSO PODER
VENCEMOSSSS NA TERRA, SSSSSÓ VAMOSSSS VENCER"

Um vocal feminino, humano, seguiu-se:

"Uuuh... Os Lagartos são demais... Mataram minha família e os meus pais..
Para eles somos apenas animais.. Nossos lordes sombrios e imortais
Eu sei que somos só humanos e que devemos obedecer
Nossos mestres lagartos, senão vamos sofrer
E é por isso que eu canto.. pra não morreeeeeeeer!"

O vocal Lagártico retornou, com ainda mais convicção, após um sonoro golpe de chicotada.

"E É ISSSSO MESSSMO QUE VAI ACONTECER
QUANDO EU ACABAR ESSSA MUSSSICA EU VOU TE LAMBER
VOU TE TRUCIDAR TE FAZER EM PICADINHOSSS
POISSSS SSSSOU UM LAGARTO E NÃO UM LAGARTINHO”

E em seguida, uma interminável seqüência de guitarra pesada.

Mas Yurlen não dava muita atenção para a musica. Ao final de uma dezena delas – sempre protagonizadas por lagartos recitando suas qualidades e vocais humanos implorando por suas vidas, havia conseguido fazer um adaptador, abrindo o disquete e conectando os elementos ópticos de leitura do disquete com conectores de uma antiga cafeteira, pedaços de um reprogramador holográfico e o que restava de um daqueles aparelhos que você sempre teve, mas nunca achou uma ocasião especifica para usá-lo, até o momento em que precisa ler um disquete, preso num laboratório com cadáveres de cientistas que tiveram overdose.

Desligou a musica, conectou o adaptador no monitor rachado do computador que costumava usar, olhou para os lados, vendo Blindurde na mesma posição de sempre, olhando para o nada, e Harguini já desmaiado, provavelmente morto, em seu canto, outros cadáveres espalhados pelo chão, todos vitimas daquele dia.

“Eu espero que isso valha a pena.” – Disse ele, e abriu o conteúdo do disquete.

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